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9 de julho de 2020

Galera Group: muitas perguntas e algumas respostas

A parceria entre Corinthians e Galera.Bet deverá render no mínimo R$ 40 milhões em cinco anos (Foto: Reprodução)

Há algumas horas, o Corinthians anunciou um novo patrocinador para a camisa: a Galera Group, definida na nota oficial como uma "empresa de apostas esportivas, detentora do site Galera.Bet". No texto, o clube ainda explica que a plataforma de apostas ainda será lançada, e que o valor do contrato será "proporcional ao engajamento da torcida", mas que garantirá ao Timão um mínimo de R$ 40 milhões, durante cinco anos.

Em outro ponto da nota, o Corinthians abre espaço para um representante da empresa, o vice-presidente de Operações Esportivas, chamado Chanoch Ben Simchon, que explica que a operação da plataforma será feita remotamente do exterior, pois a Galera Group opera diretamente de seus escritórios em Israel e no Chipre. Em seguida, ele afirma: "Estamos muito felizes com o acordo por essa parceria de negócios. Como clube, o Corinthians será um dos pioneiro nesse mercado de apostas esportivas, área que tem um grande potencial de crescimento no Brasil”.

A nota, portanto, soa bastante detalhada, cheia de informações, mas parece suficiente? Por precaução, decidimos pesquisar um pouco mais sobre esses nomes. E o resultado nos preocupou um pouco.

Ben Simchon: uma carreira no mercado de apostas

O israelense citado na nota do Corinthians (foto) possui experiência no segmento. Não foi difícil encontrar referências sobre ele em trabalhos realizados em outras empresas, que são bem resumidos no seu perfil no LinkedIn: ele iniciou sua carreira como trader de futebol na BetVictor, entre 2005 e 2008. Em seguida, atuou por um ano na conhecida Bwin como bookmaker de futebol, por quatro anos como chefe de trading na Playtech, um ano como chefe de esportes na Winner.com e quatro anos e meio como diretor na Intralot, de onde saiu em junho do ano passado.

Sua experiência mais recente, porém, não é especificada no currículo: ela tem como início o último mês de novembro e está nomeada como "New Online Betting Project", ou "novo projeto online de apostas", onde ele seria co-fundador e sócio. Seria essa empresa a Galera Group?

Galera Group: falta de referências

A pesquisa sobre a empresa Galera Group é preocupante. Nos resultados da busca, o que aparece é, basicamente, o próprio site galera.bet, já citado na nota, e uma chuva de matérias quase idênticas, dos mais diversos veículos, a respeito do patrocínio fechado com o Corinthians. O único resultado dissonante é o de uma rede espanhola de restaurantes de cozinha mediterrânea que possui exatamente esse nome, sediada em Barcelona. Fora isso, nada.

Mas ao variar a pesquisa, outro resultado surge. Adicionamos "Israel" à pesquisa, e surge nos resultados um site em construção, chamado "Bet Cruzeiro is coming soon". Na miniatura exibida na pesquisa do Google, é possível ler: "A plataforma será operada remotamente pela empresa Galera Group, com escritórios em Tel Aviv, Israel, e no Chipre...". Ou seja, a mesma coisa afirmada na nota oficial em relação à parceria corinthiana.

O que isso significava? Exatamente isso, a Galera Group também vai patrocinar o Cruzeiro. E por que isso não foi notícia? Bom, o motivo é simples: isso não havia sido divulgado.

O presidente do clube mineiro já falava à mídia sobre esse acordo há pelo menos três semanas. Em uma live, afirmou: “O Cruzeiro foi procurado por dez empresas de plataforma de apostas querendo patrocinar o clube. Só que, entendendo nossa torcida e o engajamento, resolvemos fazer a nossa plataforma. Conseguimos uma parceria com uma empresa que garantiu o mínimo e vamos ganhar também na parte variável (...) a partir do momento que os torcedores engajem”. Percebem como é exatamente a mesma coisa?

Mas isso ainda não explica quem é a Galera Group, só mostra que ela vai patrocinar dois clubes ao invés de um. Então seguimos pesquisando.

A Tenlot Group

Se não chegamos a quase nada a partir da empresa, resolvemos focar no seu representante. E pesquisando mais sobre Chanoch Ben Simchon, chegamos a uma notícia interessante: a que falava sobre seu novo cargo de vice-presidente de Operações Esportivas... na Tenlot Group. Espera, onde?

A Tenlot Group (foto) é uma empresa de jogos e apostas esportivas, sediada no Reino Unido e presente em quatro continentes. A companhia é grande o suficiente para, por exemplo, obter licença para operar apostas em países como Gana e Guatemala, países que, somados, possuem 46 milhões de habitantes. Além disso, tem planos de investimento em outros países como México, Uganda, Quênia, Moçambique e Tanzânia. A chegada de Ben Simchon, segundo a empresa, serviria justamente para auxiliar na operação dessa expansão, o que incluiria também a entrada da companhia na... América do Sul.

Mas se Ben Simchon representa a Tenlot, por que ele aparece na nota oficial do Corinthians como representante da Galera Group? E de onde vem o dinheiro que torna essa Tenlot tão poderosa? A primeira resposta é um mistério, mas a segunda é mais simples.

A fortuna de Jacob Engel

O Tenlot Group foi fundado e é controlado por Jacob Engel (foto), um empresário bilionário nascido na Croácia mas criado em Israel que já atuou em diversos negócios. Na década de 1990, Engel fundou em Tel Aviv uma empresa no setor imobiliário chamada Engel Company. A empresa fez dinheiro ao se beneficiar da onda de imigração da antiga União Soviética, ao construir dezenas de milhares de casas cujo público era exatamente essa massa de imigrantes, primeiro ao verem vendidas e depois alugadas, com ajuda do Estado. A empresa ainda expandiu sua operação para todo o Leste Europeu, sendo vendida em 2007 por US$ 120 milhões.

Engel, então, migrou para o ramo da mineração, fundando o Elenilto Group, que atua principalmente na África. Em apenas uma mina, no Togo, a empresa movimentou US$ 1,4 bilhão em fertilizantes e fosfato. Outro grande negócio da empresa ocorreu em 2010, na Libéria, explorando minério de ferro.

Somente nos últimos anos Engel diversificou mais os investimentos. Uma das formas encontradas foi através do Atooro Fund, um fundo de investimentos voltados a financiar start-ups nos mais diversos segmentos. E outra forma foi criando o Tenlot Group, voltado para jogos e apostas esportivas.

Conclusão

A gente sabe que esse texto expõe muitas dúvidas, acaba mostrando muitos fatos pra tentar respondê-las, e no fim das contas acaba explicando pouco. Mas isso acontece não tanto por culpa nossa, e sim pela falta de informações sobre o que é e quem está por trás desse patrocínio do Corinthians afinal de contas.

Conseguimos determinar que o israelense citado pelo Corinthians na nota oficial atua por uma grande empresa de apostas que não é a mesma citada na mesma nota. E não tem como isso não ser no mínimo curioso, vai. Especialmente porque a Tenlot, ao que tudo indica, é uma grande companhia, com portfólio e atuação global conhecidos e lastro financeiro suficiente pra bancar tanto a operação da plataforma de apostas quando o valor do patrocínio em si. Mas, se é a Tenlot a real parceira do clube, porque criar uma outra empresa do zero, a tal Galera Group, para fechar o negócio?

Ainda há a hipótese de, simplesmente, o Ben Simchon de fato ter assumido o cargo na Tenlot e ao mesmo tempo estar trabalhando em uma empresa própria, que seria a Galera, mas parece um cenário um tanto irrealista, não? Afinal ele se apresenta na nota do Corinthians como "vice-presidente de Operações Esportivas", que é o seu cargo na Tenlot, e não como "co-fundador e sócio", que é a forma como ele designa sua função no tal "projeto próprio" do currículo no LinkedIn.

Por fim, não deixa de preocupar o fato de serem Cruzeiro e Corinthians os dois clubes atraídos para esse negócio. Um deles tornou-se verbo ("cruzeirar") após praticamente falir, em decorrência de uma gestão criminosa protagonizada pela última diretoria. O outro parece ser o grande candidato a fazer o mesmo, após apresentar déficit de R$ 177 milhões em 2019 e estar a um passo de ter as contas rejeitadas pelo Conselho Deliberativo. É uma coincidência que sejam esses os clubes escolhidos pela Galera Group?

Bom. A ideia aqui não é acusar ninguém. O negócio pode ser perfeitamente lícito e lastreado. Queremos que seja assim, inclusive, afinal o valor prometido por ano (R$ 8 milhões) é quase o triplo do que a parceira anterior, a Marjo Sports, pagava (R$ 3 milhões). Mas sentimos ser nossa obrigação, como torcedores, querer saber mais. Por isso, questionamos as partes envolvidas a respeito de todas essas questões. Caso haja resposta, esse texto será atualizado.

Escrito por Daniel Keppler, revisado por Arthur Kartalian

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