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11 de julho de 2020

Os 100 anos do 11x0 sobre o Santos: a história do jogo

Corinthians em setembro de 1920, em vitória contra o Palestra por 2x1 (Foto: Reprodução)

A maior vitória da história do Corinthians e, ao mesmo tempo, a pior derrota do Santos em toda a história completa aniversário hoje, e um aniversário especial: exatos 100 anos! Há um século, o Timão promovia um verdadeiro massacre no rival, diante dos olhos da Fiel que, nesse jogo, protagonizou sua primeira invasão, ao descer a serra aos montes para apoiar o seu time.


Algo de curioso aconteceu com esse jogo ao longo dos anos. Enquanto a grande maioria dos corinthianos conheça essa história, ao menos em parte, os santistas preferem deixá-la na gaveta das estatísticas inconvenientes; preferem falar do meio-jejum de 11 anos sem vitórias corinthianas no clássico, ou das pedaladas de 2002. Só que nem Pelé nem Robinho conseguiram goleada sequer próxima da que Neco e companhia impuseram, em plena Vila Belmiro.


Mas se essa goleada é conhecida por todos, qual a novidade aqui? A novidade é contar sobre esse jogo, mas de um jeito diferente: através das palavras da imprensa da época! Mais precisamente do Correio Paulistano de 12 de julho de 1920. A imagem abaixo é uma reprodução perfeita desse relato, e logo a seguir nós transcrevemos toda a reportagem. Vamos lá? Aproveitem!


Corinthians vs. Santos

Realisou-se hontem em Santos, na Villa Belmiro mais uma prova do campeonato da 1a. divisão da A.P.S.A., entre as turmas representativas dessas duas sociedades.
O encontro, a despeito da inclemência do tempo, foi presenciado por avultada assistencia, cuja maior parte era constituida por affeiçoados do Corinthians que para a cidade se dirigiram em trem especial.
O jogo preliminar, entre os quadros secundarios, realisou-se debaixo de chuva, com o campo completamente encharcado, e, portanto, cheio de phases comicas e quasi inteiramente destituido de valor technico. Venceu-o o Corinthians por 3 a 1.
Succedeu-se o encontro principal, já cessada a chuva mas ainda com o gramado cheio de poças de agua. Assim, não foi permittido aos jogadores de ambos os quadros contendores, desenvolverem a efficiencia que revelaram possuir no decorrer da pugna. E é pena, pois o conjunto santista parecia estar apto para enfrentar com galhardia o seu terrível adversário, que, por sua vez, se apresentou bem treinado e organisado de moldo a manter supremacia na luta.
O facto apontado, foi aggravado ainda pela impericia do arbitro sr. Eduardo Taurisano, juiz official da Associação, não permitir que o jogo assumisse a importancia e interesse que era licito esperar-se.
A luta começou com apreciavel equilibro de forças, assignalando-se reciprocos ataques e defesas. A pouco e pouco, porém, tomou vulto a pressão corinthiana: num "corner", bem batido por Americo, vae a pelota ter aos pés do Neco que a gella para Brasilio, conquistando este o 1.o ponto do Corinthians.
Embora pretendesse o Santos annullar a vantagem contraria, prosegue o Corinthians no ataque e, 5 minutos após o primeiro successo obtem Gambarotta, de um bello passo de Americo, o 2.o ponto para as côres de seu club.
O grande numero de poças de agua nas portas do "goal" do Santos impossibilitou os dianteiros do Corinthians de augmentarem a sua contagem. Neco e Americo, principalmente, devido a isso, inutilmente enviam "tiros" contra o rectangulo sob a guarda de Randolpho.
Os santistas esforçam-se, esfalfam-se; a sua defesa multiplica-se, salientando-se Cicero, o formidavel "back" do Santos. Mas o Corinthians ainda consegue, antes de terminar o primeiro meio-tempo mais um ponto, o 3.o por Gambarotta.
A segunda phase começa com um cerrado ataque dos do Santos, que mantêm em constante trabalho a defesa contraria. Os esforços corinthianos no sentido de melhorarem ainda a sua já accentuada vantagem, são annullados pela defesa santista.
Aos 10 minutos, depois de reiniciada a partida, Cicero comete um "hands" punido por um "penalty-kick". Bate-o Amilcar, conquistando o 4.o ponto do Corinthians. A punição dessa falta, não praticada por aquelle jogador, deu causa a uma vehemente vaia e protestos dos proprios jogadores do Santos que, dahi por diante, revesando-se no "goal" e trocando de posições. Afinal fica Cicero definitivamente no "goal", passando Randolpho a jogar no centro da linha de avante.
Prevalecendo-se deste verdadeiro chaos o Corinthians marca mais sete pontos para as suas côres, por Neco, Gambarotta e outros jogadores.
E com o resultado: Corinthians, 11; Santos, 0, terminou o jogo.


Alguns comentários

1 - É interessante a forma como o texto é construído, né? O jeito de relatar sobre a partida mudou muito em 100 anos. Também fica a impressão de que o vocabulário empregado era extremamente maior do que atualmente... ou será que isso é um reflexo da nossa evolução (ou involução) como sociedade?


2 - Também é curioso como detalhes da partida mudam de acordo com o veículo. Sem câmeras para gravar os lances ou cronômetros perfeitamente sincronizados para registrar tudo o que ocorria, a precisão histórica é muito menor. Isso explica, por exemplo, porque o Correio Paulistano informa que o primeiro tempo terminou 3x0 para o Corinthians, e não 5x0 como é registrado e reconhecido por Celso Unzelte no Almanaque do Corinthians. O jornal tampouco cita, por exemplo, que a partida terminou aos 21 minutos do segundo tempo, devido às cinco expulsões de jogadores santistas;


3 - Não dá para dizer o mesmo, porém, a respeito da presença da torcida. É ponto pacífico o fato de a Fiel ter comparecido em massa para o jogo, a ponto de ser maioria na Vila Belmiro. Isso foi, em grande parte, resultado de uma imensa adesão à caravana, promovida e divulgada pelo clube dias antes do jogo, cujo registro pode ser visto na edição de 10/7/1920 do jornal A Gazeta (foto à direita). Temos, definitivamente, vocação para invasões!


3 - O Corinthians claramente era, na época, o time mais forte do estado; o texto do Correio é apenas mais um da época a deixar isso claro ao se referir a nós como um "adversário terrível", e ao mostrar surpresa por ver que o Santos conseguiu equilibrar o jogo no seu início;


4 - A superioridade do Corinthians era grande, mas o Santos estava enfrentando o desafio; a matéria cita a palavra "galhardia", que significa bravura. Então como entender ou justificar a reação ao pênalti mal marcado (segundo a reportagem) no segundo tempo? Se ainda hoje temos lances de mão na bola totalmente discutíveis, que dirá em 1920? Não tem como defender. O ato de colocar um zagueiro no gol e "desistir" da partida revelou uma falta de fair play bastante incomum, até para a época. E bastante condenável, em qualquer época. Mas, fazer o que?


5 - Independente do protesto santista, a superioridade do Corinthians era inquestionável e a goleada já estava sendo construída antes do pênalti. Não custa lembrar que o Timão de 1920 teve, no Paulista, uma média de 4,4 gols marcados por jogo (75 gols em 17 jogos). O Santos, por sua vez, abandonou o torneio na 9ª rodada. No fundo, portanto, esse 11x0 só acabou se tornando um exemplo de como um time NÃO deve lidar quando se é inferior em uma partida.


Escrito por Daniel Keppler, revisado por Arthur Kartalian

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