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8 de março de 2020

Uma trégua, um pacto, um recomeço

O Corinthians passa por vários problemas de uma vez só, todos de difícil solução (Foto: Bruno Teixeira/Ag. Corinthians)

O início de 2020 está sendo, talvez, um dos mais turbulentos do Corinthians em sua história recente. Vários problemas vem acontecendo ao mesmo tempo, muitas vezes sequer dando tempo para refletirmos sobre seus efeitos e consequências. Às vezes, eles se sobrepõem, de forma que fica até difícil listá-los, e isso vem levando muita gente - gente boa, do meio, que acompanha o clube diariamente - a cometer algumas injustiças e atribuir errado determinadas responsabilidades.

Um dos problemas é bastante flagrante, no momento: a dificuldade que Tiago Nunes vem tendo para implementar seu estilo de jogo ao elenco corinthiano. Já ficou claro, após dois meses de temporada, que o Corinthians é uma equipe em casa e outra fora dela, e que mesmo na Arena, não consegue se impor a menos que a partida seja muito relevante, como foi no caso da volta contra o Guaraní (PAR) ou o clássico contra o Santos. Em jogos menores, o que se vê é desconcentração, erros simples, e por vezes alguma apatia que beira o desleixo por parte de muitos atletas.

É uma questão difícil de analisar, pois é algo onde fica difícil mensurar onde acaba a influência do treinador e onde começa a responsabilidade dos atletas. Se um jogador não se motiva o suficiente para entrar em campo e dar seu melhor, até onde seu treinador é responsável por isso? É uma reflexão que ainda não tivemos tempo de fazer, e por isso esse comportamento (reiterado) dos jogadores ainda está pendente de análise, por parte de muita gente.

Outro problema, aí sim relacionado a Tiago Nunes, é a maneira com que ele vem utilizando o elenco corinthiano, e a forma como ele vem rodando os jogadores, algumas vezes de maneira surpreendente e chegando a confrontar sua filosofia de jogo. Isso ficou claro na partida desde sábado (7), quando o técnico abriu mão de sua ofensividade para privilegiar uma defesa mais robusta, com Gabriel e Carlos nos lugares de Camacho e Piton. Muitos viram como incoerência. Eu vi como insegurança e rendição ao tal resultadismo que, hoje, decide mais o futuro dos técnicos do que o desempenho das equipes, em si.

Essa é uma questão muito mais profunda, e de difícil solução. Afinal, se Tiago Nunes se mantivesse fiel às suas convicções, independente das críticas recebidas (pois elas existiram, principalmente sobre a defesa supostamente exposta), ele não seria tachado de teimoso? Como Carille foi, durante boa parte de 2019? Além disso, não deveríamos ter em conta que desde a pré-temporada o entra-e-sai de jogadores do elenco tem sido constante, ou porque atletas não estavam à disposição, ou porque titulares se lesionaram, ou porque jogadores em quem o treinador confiava simplesmente não rendiam o necessário? Como se manter fiel a um grupo de 11 jogadores nesse contexto? E por que não testar opções, se elas estão à disposição e o Paulista é o torneio mais apropriado para testes?

Mas nossos problemas não se resumem ao campo. Fora dele, o Corinthians está vivendo um dos momentos políticos mais sensíveis desde o impeachment de Alberto Dualib. Pressionado pela péssima gestão apresentada desde que foi eleito, Andres Sanchez parece ter, enfim, despertado a ira da torcida, que até abaixo-assinado já fez pedindo investigação sobre seus atos à frente do clube, e agora aparentemente está na mira de uma ala de conselheiros, que promete tentar afastá-lo do cargo rejeitando as contas de 2019 - ato que abriria um processo de impeachment contra ele.

É óbvio que esse momento político afeta o time, internamente. Hoje, tanto Tiago Nunes quanto sua comissão são novos no clube, não conhecem a dinâmica do Parque São Jorge. Já nossa diretoria, que faz a ponte com estes, é fraca, de diálogo e de ação. Não parecem capazes de blindar ninguém desse climão que ronda o Corinthians. E em clube instável politicamente, sem blindagem do elenco, a tendência sempre é que o desempenho dentro de campo se contamine.

Em um cenário onde a diretoria parece não se mover para responder concretamente às cobranças, e pode ter que ver seu presidente responder a um processo de afastamento, longo e desgastante, fica a reflexão: que segurança jogadores e comissão tem para trabalhar em um clube sem controle sobre seu futuro?

Ainda há outra questão, bastante sutil, mas que tem muito impacto: a imprensa. Que hoje em dia, em tempos de redes sociais, pode ser tanto oficial (os jornais e setoristas do clube) quanto não-oficial (torcedores ou profissionais independentes que criam conteúdo). Ambas veem no Corinthians um sem-fim de possibilidades de pautas para matérias e opiniões que, muitas vezes, não têm na transmissão de informação seu objetivo principal, mas na verdade só querem a atenção do corinthiano através de likes e compartilhamentos, gerando audiência e engajamento a seus veículos ou canais. Pior que isso: muitas vezes fazem isso através de conteúdos duvidosos, com opiniões sensacionalistas, que conseguem transformar a comunidade corinthiana nas redes sociais um lugar, às vezes, impossível de conviver.

Essa é uma questão que deveria ser simples de resolver: parar de consumir conteúdo de quem usa o Corinthians como ferramenta de autopromoção. Mas e quando quem faz isso tem história pregressa no clube ou é avalizada pelo mesmo para produzir esse material? Como fazer a torcida desvincular a imagem do ídolo da imagem do mau comentarista? E como conviver com profissionais que parecem viver para maximizar os problemas e minimizar as qualidades do clube? É um trabalho de conscientização e, acima de tudo, reeducação do torcedor corinthiano, para que ele entenda que seu like tem poder, que não é apenas um clique na tela do celular. Enquanto ele não perceber isso, ainda veremos muita notícia caça-clique manchando a reputação do Corinthians - às vezes de maneira injusta.

Mas temos, ainda, um último problema, e esse é talvez o mais sensível, ainda que seja poderoso: a torcida. Ou melhor, parte dela. Uma parte que não parece pronta para colocar em prática o lema que, desde 2010, adotamos e passamos a repetir: "Não vivemos de títulos, vivemos de Corinthians".

Será que estamos vivendo de Corinthians? Durante boa parte do ano passado, mascaramos a realidade sobre a equipe e seu péssimo futebol por conta de um tricampeonato Paulista, importante para a história mas que cegou muitos sobre o que estava acontecendo. Se recuarmos mais na história, tivemos dois Brasileiros, em 2015 e 2017, que foram conquistados enquanto nossa dívida saltava para R$ 626 milhões. Com uma política de compra de atletas com contratos de 4, 5 anos que, ao não renderem, eram emprestados às nossas custas, chegamos à situação de ter 92 atletas profissionais registrados. Mas por causa dos títulos, qualquer matéria sobre isso era vista como "mimimi" e "intriga da oposição". Valeu a pena?

A solução para esse problema deveria ser fácil: negociar os jogadores com quem não contamos. Mas como fazer isso se há leis a ser cumpridas e os atletas querem ficar? E como pedir uma gestão diferente sobre esse problema, se a diretoria é a mesma? Talvez essa questão só se possa resolver com as eleições. Mas enquanto isso, deixo uma pergunta: será que não estamos, ainda que de forma inconsciente, deixando nossa impaciência e revolta com tudo o que estamos vivendo de ruim com o Corinthians contaminar nossa tolerância com um trabalho que acabou de se iniciar, e que sabíamos que seria difícil?

Talvez o Corinthians precise mais de nós do que esperávamos. Talvez nós, a Fiel, tenhamos um papel maior nesse processo de reconstruir o time, com outra imagem e semelhança. Talvez seja a hora de darmos uma trégua, não apenas a Tiago Nunes, mas a toda a comissão e até mesmo ao elenco, para que juntos eles possam encontrar os caminhos que ainda não encontraram!

Precisamos ter em mente: o elenco atual do Corinthians não é o ideal. Nem para nós, nem para o Tiago Nunes. Nem todos os reforços pedidos vieram. E implantar uma filosofia assim é como fazer uma receita sem todos os ingredientes: não vai ficar como na foto. O ano de 2020 é de reconstrução, e em anos de reconstrução a torcida precisa ser mais que o 12º jogador: precisa virar o zagueiro que tira a bola na linha do gol, o volante que desarma o adversário com perfeição e o atacante que chuta no ângulo. Eles precisam de nós para se superarem. Mesmo que alguns não mereçam.

Se vai dar certo? Não sei, honestamente. Quem cravar uma resposta não estará fazendo mais do que uma aposta disfarçada de análise. Mas se não acreditarmos, quem irá acreditar por nós? O Corinthians não é o clube que é por acaso: sua história foi forjada por momentos e mais momentos onde a fé falou mais alto, nos fazendo acreditar em nós mesmos quando ninguém mais acreditava. E sempre fomos premiados por isso. Talvez seja hora de resgatar um pouco desse corinthianismo, que vem ficando cada vez mais esquecido na medida em que fomos empilhando taças no memorial.

O Corinthians precisa de um recomeço. Mas para isso, todos precisam querer recomeçar. Eu quero. E vocês?

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