ÚLTIMAS

24 de fevereiro de 2020

Por que Araos foi descartado tão rápido por Tiago Nunes?

Araos voltou ao Corinthians dia 3 de fevereiro; dia 14, estava dispensado (Foto: Agência Corinthians)
Ángelo Araos chegou ao Corinthians em julho de 2018, sem muito alarde mas com expectativa por ser considerado uma das grandes revelações chilenas da atualidade. Afinal, o jovem atleta, que na época tinha 21 anos, havia feito um bom primeiro semestre pela Universidad de Chile, se destacando pela versatilidade em campo e visão de jogo. Além disso, ele acumulava passagens pelas seleções sub-17 e sub-20 do Chile, e havia acabado de estrear pela seleção principal, em mês antes.

Mas o que era expectativa, no início, foi se transformando em espera e, com o tempo, virou incógnita. E os números só deixam essa impressão ainda mais clara.

De esperança a descartável

Assim que chegou ao Corinthians, Araos foi tratado pelo então técnico Osmar Loss com status de opção aos titulares. Era uma época de decisões no clube, que iria disputar naquele mês de agosto as quartas-de-final da Copa do Brasil, contra a Chapecoense, e as oitavas-de-final da Copa Libertadores, contra o Colo Colo (CHI) - torneio no qual o jogador não poderia atuar.

Mesmo assim, Loss utilizou o jovem como titular duas vezes, no Campeonato Brasileiro. Mas logo  em seguida, o Corinthians caiu na Libertadores, em jogo traumático onde a eliminação veio graças ao critério do gol fora de casa. O treinador só duraria mais duas partidas no comando do Timão após isso: após um empate contra o Atlético-MG (onde Araos foi titular novamente) e uma derrota para o Ceará, ele foi demitido. Ao todo, o Araos foi utilizado em oito dos nove jogos possíveis, sendo titular em três partidas e jogando 309 minutos ao todo (média de 38 minutos/jogo).

Para seu lugar, a diretoria trouxe Jair Ventura. O desafio era sobreviver na Copa do Brasil e terminar o Brasileirão de maneira digna. Já sabemos como ele foi: quatro vitórias em 19 jogos, aproveitamento de 31,5% dos pontos e um vice na Copa do Brasil que (talvez) nem ele saiba como veio.

É com Jair onde vemos a primeira mudança brusca na forma de ver e utilizar Araos: nos cinco primeiros jogos do novo técnico, o chileno fica no banco em todos, entrando apenas três vezes no segundo tempo e jogando, ao todo, 33 minutos. Ele só ganha uma chance como titular no sexto jogo de Jair, quando o treinador decide escalar um time misto contra o América-MG em 29 de setembro, visando as finais da Copa do Brasil. Mas logo em seguida ele é sacado do time, ganhando uma nova chance como titular apenas dois meses depois, contra o Botafogo em 4 de novembro, novamente no lugar de Jadson. Dessa vez, ele continuou no time para o jogo seguinte, contra o São Paulo, e até fez um bom primeiro tempo - mas um cartão vermelho no último lance antes do intervalo caiu como um balde de água fria em todos.

Depois desse lance, Jair Ventura só sobreviveria no cargo por mais cinco jogos (os cinco restantes daquele Brasileirão). E Araos só jogaria com ele em duas oportunidades, ambas como reserva. Ao todo, de 18 jogos possíveis, ele atuou com Jair em 11 delas, sendo apenas três como titular e jogando 259 minutos ao todo (média de 23 minutos/jogo).

Um novo ano chegou e com ele veio Fábio Carille. E com Carille, a situação chegou no seu ápice negativo. Ele até entrou no segundo tempo do amistoso na abertura da temporada, contra o Santos; mas nos 12 jogos da primeira fase do Paulista, em quatro ele sequer foi relacionado, e nas oito ocasiões em que foi, jogou apenas duas vezes, ambas como titular: contra a Ponte Preta, em 26 de janeiro, e contra o Novorizontino, em 10 de fevereiro. Após a partida contra o Racing (ARG), pela Sul-Americana em 14 de fevereiro, ele chega a ficar um mês inteiro sem se concentrar com os companheiros, ou seja, literalmente encostado. Na época, a comissão técnica justificou dizendo que era um momento de vários jogos decisivos e que, passando essa sequência, ele voltaria a ter chances.

Bem, não teve. Ángelo Araos nunca mais entrou em campo com o Corinthians. Entre fevereiro e outubro, ele foi relacionado por Carille para apenas sete partidas, menos de uma por mês! Até que em setembro, seu empréstimo para a Ponte Preta foi acertado, onde ele atuou na reta final da Série B. No final das contas, dos 58 jogos possíveis onde ele poderia atuar com Carille, o jogador entrou em campo só duas vezes mesmo, jogando 117 minutos (média de 58 minutos/jogo).


Em dezembro do ano passado, com Tiago Nunes já confirmado no comando do Corinthians para 2020, Araos recebeu do Corinthians a informação de que fazia parte dos planos do treinador e que receberia novas chances no Timão nessa temporada. No início do ano, o jogador esteve com a seleção chilena sub-23 no Pré-Olímpico, e por isso não fez a pré-temporada nos EUA - mas a expectativa da torcida era alta para o que aconteceria no seu retorno e integração ao elenco.

Bem, ele retornou em 3 de fevereiro. E somente 11 dias depois, a sentença da comissão técnica: ele não teria chances. A avaliação é de que Araos não poderia jogar nem como volante e nem como ponta, mas como um meio-campo que atua próximo da área. E que, como o clube já tem, para aquela posição, jogadores como Luan, Pedrinho, Mateus Vital e Cantillo, o chileno "dificilmente teria chances", e sequer deve ser inscrito no Paulista.

Como joga Ángelo Araos

A avaliação da comissão técnica sobre Araos só poder atuar como atleta de meio contrasta com o que ele sempre demonstrou em campo pela seleção chilena, e até mesmo pela Universidad de Chile (CHI) lá em 2018, quando o Corinthians se interessou pelo atleta.

Apesar de ser considerado um jogador leve, o chileno compensa seu físico franzino com técnica apurada, podendo fazer qualquer das funções ofensivas atrás do centroavante. Joga pela direita, joga pela esquerda e pode jogar pelo meio. Sem esquecer que sua posição de origem é mais recuada ainda: um volante construtor com bom toque de bola e excelentes arremates de fora da área.

Em suas últimas aparições pela seleção chilena de base, Araos era o dono do meio campo podendo circular por todos os setores e tendo liberdade pra chegar e encostar nos homens de frente, faltando-lhe apenas, em certos momentos, um pouco mais de intensidade e velocidade. Outro ponto a melhorar no chileno é que, quando joga na linha do meio campo, como se trata de um jovem, ele deixa ainda espaços nas costas, por onde os meias adversários se criam entre a linha do jogador e a linha defensiva. Mas não parece o bastante para torná-lo descartável, pois é algo totalmente corrigível.

Onde Araos entraria no time?

Para analisarmos o porquê de Araos não ter criado nenhuma “pulga na orelha” em Tiago Nunes, precisamos destrinchar as características do jogador e analisar, dentro do modelo de jogo que Tiago pensa, onde possivelmente o jogador se encaixaria e qual seria os prós e os contras se o jogador fosse bancado. Então, vamos fazer isso.

Como dito anteriormente, Araos é um jogador técnico que alia força à sua técnica e caberia, dentro de suas caracteristicas, em algumas posições que o treinador corintiano imagina. Pensando, por exemplo, em sua posição de origem, como volante construtor, Araos poderia ser um substituto do excelente Cantillo, que tem como característica o passe que quebra linhas e lançamentos longos. Pensamos assim pois Araos tem capacidade para pisar na área e também tem um bom passe vertical (característica importante do jogo de Tiago Nunes).

Mas pensando num time mais cauteloso e abrangendo um pouco mais a discussão, poderíamos
pensar em Araos em uma linha mais ofensiva, fazendo um terceiro homem de meio campo. E se
engana quem ache que Tiago Nunes nunca jogou com esse terceiro homem nos times os quais
o treinador trabalhou. No jogo contra o River Plate (ARG), na Argentina, Tiago Nunes utilizou Lucho González para preencher um meio campo mais físico com Bruno Guimarães e Wellington. Araos poderia, nesse modelo, fazer as vezes de Lucho e formar um trio de meias junto, com Cantillo e Camacho. Tem capacidade física pra chegar ao ataque, e técnica pra reter a bola em momentos de pressão do adversário além de contribuir com os desarmes.

A falta de intensidade de Araos não permitiria, nesse primeiro momento, a utilização do chileno na posição que é de Yony, de Pedrinho e por ora de Everaldo. Ele também teria problemas para ser escalado no 4-4-2 usado no jogo mais importante do ano, contra o Guaraní (PAR), quando Tiago mudou seu sistema de jogo e colocou um time mais físico à frente com Vagner Love ao lado de Boselli  sem perder sua qualidade técnica na saída de bola, e mantendo Cantillo e Camacho. Sem os jogadores de de beirada que ajudam na recomposição, teoricamente o time fica mais vulnerável defensivamente, e Araos não seria totalmente efetivo no perde-pressiona que Tiago quer e queria naquele jogo.

Talvez o problema de Araos, para Tiago Nunes, seja que ele não reúne todas as características que o treinador espera: a cadência de Camacho, com a aceleração no passe de Cantillo e a intensidade e velocidade de Yony. Mas cabe uma reflexão aqui: será que existe um jogador assim no nosso elenco? Se até mesmo Luan, o craque do time, ainda tem problemas de intensidade que o fazem revezar jogos excelentes com outros apagados, mesmo tendo uma técnica apurada, porque Araos não poderia mostrar em campo o que poderia fazer?

Conclusão

Entendemos que é normal a comissão ter a cautela de contar apenas com jogadores que se adequem ao novo modelo de jogo do Corinthians. A recuperação da confiança no elenco passa por isso e é algo fundamental para o entendimento da proposta e a melhora do futebol praticado. Apesar disso tudo, a dispensa "informal" de Araos do time, da forma como foi feita, parece precipitada.
Araos caberia no elenco do Corinthians, mesmo não tendo essa intensidade que Tiago pede. Ele seria o contraponto de Mateus Vital (um meia intenso com tomadas de decisões equivocadas na grande maioria das vezes). Araos tem técnica e chegada à frente com inteligência e com a parte física apurada. Num jogo mais pesado, que o time de Tiago sinta a perda do meio campo, seria importante ter um jogador como Araos, que retém a bola com qualidade e tem bom passe além de desarmar quando necessário (como Lucho fazia no mesmo time do Athletico).

Além disso, ter Araos no time seria fundamental para que o próprio atleta evolua. Muito se diz, no Corinthians, a respeito da sua timidez e dificuldades de adaptação. Mas o que se faz com um atleta quando ele tem dificuldades de convivência, integra ou descarta? Integra, obviamente. Romero demorou pelo menos três anos até ser um atleta importante no time - para citarmos um caso apenas. Especialmente em se tratando de alguém que custou R$ 17 milhões ao clube, por 100% dos direitos, manter Araos longe do time é, literalmente, jogar dinheiro no lixo.

Escrito por Daniel Keppler e Leonardo Ferreira

Siga os autores no Twitter: @daniel_keppler @futebolnuecru

Nenhum comentário:

Postar um comentário